Concepção Marco Martins
Direcção musical Bernardo Sassetti
Com Bernardo Sassetti, João Paulo Esteves da Silva e Mário Laginha (piano), Filipe Quaresma (violoncelo) e Joana Verona e Rafael Morais (interpretação).
Music Around Circles é um concerto que nasce da colaboração criativa do realizador Marco Martins e do compositor Bernardo Sassetti, para a criação da banda sonora original de Como Desenhar um Círculo Perfeito, segunda longa metragem do realizador a estrear em Outubro nas salas de cinema, dando continuidade ao trabalho desenvolvido por ambos em Alice.
Convidados para este espectáculo, para interpretarem a musica de Bernardo Sasseti, foram os pianistas Mário Laginha e João Paulo Esteves da Silva e o violoncelista Filipe Quaresma, bem como os actores do filme Rafael Moraes e Joana de Verona, os desenhadores de círculos.
O CONCERTO
Este concerto tem como base a musica composta para o filme e seis vídeos criados a partir de seis out-takes (material não utilizado na montagem final) de Como Desenhar um Círculo Perfeito que, apesar do seu impulso ficcional, não se constituem como uma narrativa, mas correspondem antes a diferentes estados de espírito das personagens centrais da história, dois irmãos gémeos com uma relação incestuosa entre eles que possuem o estranho 'dom' de desenharem círculos perfeitos à mão levantada.
Estas imagens em movimento (fotografadas por Carlos Lopes), filmadas originalmente em 16mm e projectadas em vídeo numa instalação de três ecrãns de grandes dimensões, estão talvez mais próximas da fotografia que do próprio cinema, dado o carácter estático de cada momento da acção descrita. Sobre estas imagens surgem, por vezes, desenhos executados em palco pelos próprios actores do filme, num jogo de transformações visuais, luz e movimento, tendo sempre como base a imagem do círculo perfeito, uma espécie de técnica mista de fotografia/desenho/luz.
HISTÓRIAS EM CÍRCULOS
por Marco Martins
No início de 2007, estava em pleno processo de escrita da minha segunda longa metragem, uma história sobre a descoberta da sexualidade na adolescência e do amor entre dois irmãos gémeos abandonados pela sua família, fechados numa casa parada no tempo que simbolizava as fronteiras do seu universo, com regras e tempos próprios, diferentes daquelas que os rodeavam, numa espécie de confrontação da natureza com a regra.
Por esses dias navegava na net, sem nenhum propósito concreto, numa pausa da própria escrita, por entre imagens do Youtube, quando descobri um pequeno vídeo de um homem de nome Alexander Overwijk, professor de matemática numa escola secundária nos arredores de Otawa (Canadá), que desenhava círculos perfeitos à mão levantada, com um metro de diâmetro, no quadro de ardósia da sua sala de aula. Era uma imagem de uma beleza extrema, pela simplicidade do gesto que lhe permitia executar aquele círculo absolutamente perfeito com uma enorme facilidade. Uma imagem com um poder metafórico que funcionava como um espelho da relação fechada dos dois irmãos, na história que então escrevia. Senti imediatamente que era uma imagem que pertencia à minha história de amor entre dois irmãos fechados no seu universo perversamente perfeito.
O movimento do braço, a beleza plástica do traço de giz, o movimento do corpo qual “Homem de Vitruvius” de Leonardo da Vinci, tudo me atraia naquele pequeno vídeo amador, captado por um aluno de treze anos. Viajei então para Otawa a fim de conhecer aquele homem, aparentemente vulgar, mas possuidor daquele 'dom' magnífico e extraordinário (nessa altura ele era já Campeão do Mundo de Círculos Perfeitos, titulo obtido num estranho concurso realizado no Canadá), queria aprender o 'segredo' dos círculos perfeitos. Entre mim e aquele professor de matemática nasceu uma amizade e ele explicou-me, para grande surpresa minha, que aquele gesto “com contornos de milagre” era apenas uma questão de prática, horas de prática do braço no seu clock movement.
Transportei aquela imagem de Alexander para o filme e transformei as duas personagens centrais, elas próprias, em desenhadores de círculos perfeitos à mão levantada. Eles conseguiram isto ao fim de muitas horas de pratica; eles próprios conseguiam desenhar círculos perfeitos à mão levantada iguais aos do vídeo do Youtube. Aquela imagem tornou-se assim no centro dramático do filme que passou a chamar-se Como Desenhar um Círculo Perfeito.
O resto da história é o habitual nestes casos: o Bernardo leu a primeira versão do guião (por coincidência ele próprio trabalhava na altura numa certa estrutura de composição circular) e começou a trabalhar imediatamente na música do filme. Mais uma vez, a inspiração foi mútua- imagens que criam sons e sons que geram imagens. Como sempre acontece em todos os filmes, existem imagens que acabam por não fazer parte da montagem final (a primeira versão de montagem tinha cerca de quatro horas), em todos os processos de construção de uma banda sonora existem muitos minutos de musica que acabam por nunca ser ouvidos pelo espectador. Mas, de certa forma, um e outro são como peças do mesmo puzzle, feitas para de alguma forma coexistirem e dialogarem entre elas, complementares, por assim dizer. Este concerto nasce, pois, da vontade de não nos separarmos ainda destas imagens e juntar mais uma vez essas peças, num momento único, para podermos desfrutar de toda a beleza da musica que Bernardo Sasseti compôs para este filme, interpretada por um grupo de músicos extraordinários, uma espécie de reencontro criativo informal dos dois universos.
Gostaria de ter tempo e espaço para agradecer a todos aqueles que, de forma directa ou indirecta, ajudaram a que estas imagens existissem e que este espectáculo fosse possível. Antes de mais, ao Professor Jorge Salavisa e à Aida Tavares, pelo entusiasmo demonstrado pelo projecto; depois ao Artur Pinheiro, Carlos Lopes e João Bráz, colaboradores de sempre na constituição do meu universo plástico.